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29 marzo 2024

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47 anos de Jornalismo, 47 anos de «O Diabo»


Miguel Alvarenga – No dia de hoje, há exactamente 47 anos (10 de Fevereiro de 1976), saía para a rua o primeiro número do jornal semanário “O Diabo” (primeira página reproduzida aqui em cima) – um título que, curiosamente, pertencera anteriormente ao Partido Comunista (na clandestinidade), onde escreveu Álvaro Cunhal e que na altura renascia dirigido por Maria Armando Falcão, a indomável Vera Lagoa, à frente de uma equipa de grandes nomes do Jornalismo, entre os quais Carlos Martinho Simões, o capitão António Ramos (que fora dedicado ajudante de campo do General Spínola e era também um fantástico jornalista), Rui Romano (o afamado repórter da RTP), Mateus Boaventura, Navarro de Andrade, Rui Tovar (um ícone televisivo do desporto, já falecido também), o saudoso cartoonista Augusto Cid e o fotógrafo Fernando Ricardo

Da equipa inicial fazia ainda parte a minha Mãe, Maria Manuela, que era secretária de Redacção, a Lígia (eterna secretária de Maria Armanda), o jovem Luís (o paquete) e dois putos estagiários: eu, então com 18 anos e o Valdemar Paradela de Abreu (sobrinho do famoso editor do mesmo nome e que antes do 25 de Abril publicou o livro «Portugal e o Futuro» de Spínola), mais tarde jornalista da SIC. No primeiro número de «O Diabo» assinei um artigo sobre a morte de Mestre João Núncio, que partira umas semanas antes, no final de Janeiro de 1976.

«O Diabo» durou duas semanas: ao segundo exemplar, foi «democraticamente» suspenso pelo tristemente célebre Conselho de Revolução, mercê do histórico Editorial de Vera Lagoa no segundo número do jornal sobre o então presidente da República, General Costa Gomes, intitulado «O Senhor Gomes de Fezes». 


Com o título suspenso, não perdemos tempo e duas semanas depois pusémos na rua o jornal “O Sol” e… logo no primeiro número fomos, também «democaticamente», brindados com uma bomba que destruíu toda a entrada do jornal, não causando ferimentos em ninguém por ter rebentado à hora do almoço, quando a Redacção estava vazia.


A Maria Armanda caíu à cama e ao hospital, com problemas cardíacos e o jornal parou, reaparecendo mais tarde no Porto e regressando depois a Lisboa, à Rua Alexandre Herculano, onde funcionou durante muitos anos. 


Nesse interregno estive no semanário «A Rua», de Manuel Maria Múrias (de que cheguei a ser Chefe de Redacção e onde tive também a honra de trabalhar ao lado de grandes profissionais, de que recordo António Maria Zorro, José Valle de Figueiredo, Luis Sá Cunha, Ruy Miguel, António Lopes Ribeiro, o célebre apresentador do «Museu do Cinema» na RTP e tantos mais).


E em 1980 regressei a «O Diabo», onde estive mais quinze anos, chegando a ser Chefe de Redacção e Director do semanário «O Crime», também propriedade de Vera Lagoa. N’ «O Diabo» e paralelamente à minha actividade jornalística, reparti durante anos a página «O Diabo ao Quite» com o saudoso Dr. Fernando Teixeira e foi depois no semanário «O Crime» que nasceu a célebre coluna «Farpas» (assim baptizada por Vera Lagoa e José Manuel Teixeira), que criou escola e onde se contavam as coisas que os outros não contavam dos bastidores do mundo tauromáquico.


Vera Lagoa assinara durante anos no jornal «Diário Popular» – onde começou a escrever convidada por Francisco Pinto Balsemão – aquela que ficou na História como a primeira coluna social da imprensa portuguesa, intitulada «Bisbilhotices» e cujas principais crónicas estão publicadas num livro assim intitulado também.


Um dia chamou-me ao seu gabinete, com o José Manuel Teixeira (primeiro Director de «O Crime») e propõs-me: «Tu conheces os meandros todos do mundo das touradas, que tal se fizéssemos n’ ‘O Crime’ umas ‘Bisbilhotices’ do mundo dos toiros? Contar os segredos que ninguém conta?». Fiquei entusiasmado com a ideia, mas também tive a consciência que uma coluna desse tipo, completamente inovadora, me iria trazer algumas inimizades… Na altura, os críticos tauromáquicos escreviam notícias dos triunfos dos toureiros no estrangeiro e faziam crónicas das corridas. Não se falava dos meandros, muito menos dos segredos…


«Chamamos-lhe ‘Farpas’, acho que é um título engraçado para a coluna!» – alvitrou Vera Lagoa. «Vais ver que conseguimos agitar os homens dos toiros e todos vão passar a ler ‘O Crime’…» – acrescentou.


E foi assim que nasceu a coluna «Farpas», que ao tempo foi um sucesso absoluto e que mais tarde foi jornal semanário – e agora este blogue.


Tive nesses anos, que foram tantos, de «O Diabo», a honra e o orgulho de «repartir Redacção» com nomes tão famosos como José Rebordão Esteves Pinto (marido da Maria Armanda), José Manuel Teixeira (com quem tanto aprendi), José Miguel Júdice, António Marques Beça, Jaime Nogueira Pinto, Carvalho Soeiro, José Leite, Magalhães Monteiro, Nuno Rogeiro, Nuno Rebocho e muitos, muitos mais – entre os quais o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, hoje ilustre Presidente da República, que ali assinou muitos anos uma das mais polémicas colunas políticas sob o pseudónimo de Agapito Pinto.


«O Diabo» foi um jornal de referência e defendeu casos famosos como os da morte de Sá Carneiro e Amaro da Costa (Camarate), o Caso «Angoche», o célebre assassinato de António Ramalho no Ralis em 11 de Março de 1975 (que Vera Lagoa celebrizou nas suas crónicas à mãe de Ramalho, «Antónia! Antónia!»), o processo das «FP-25 de Abril» (em que trabalhei a fundo, com constantes ameaças de morte dos terroristas…), o assassínio de Evo Fernandes (líder da Resistência Moçambicana, a Renamo) na Serra da Malveira – e tantos outros.


47 anos depois do primeiro dia (eu tinha 18 anos e iniciava ali a minha carreira jornalística… qualquer dia, se Deus quiser, comemorarei 50 anos de Jornalismo!) , recordo-o como se fosse hoje e jamais esquecerei todos os ensinamentos que recebi de Vera Lagoa – a minha grande e saudosa Mãe no Jornalismo!


Fotos D.R.



Vera Lagoa com o saudoso apoderado Fernando Camacho
em 1982 no Restaurante «Tavares» em Lisboa no beberete
de apresentação da nossa página «O Diabo ao Quite»


Ao princípio era assim… que saudades de escrever
na minha velha máquina, quando ainda não tinham
chegado os malditos computadores…

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