Miguel Alvarenga – Estou há dois dias em descanso, melhor dizendo, em exílio forçado, obrigado a abandonar Lisboa para não esbarrar diariamente com peregrinos, trouxe o computador não vá acontecer alguma coisa do outro mundo, mas não aconteceu, tudo decorre igual ao costume, meti-me na Yellow Vespa e vim para longe. Mesmo assim, não consigo (ai consigo, consigo!) resistir aos telefonemas, aos WhatsApp (são a toda a hora! Caramba!), às mensagens, às solicitações para que noticie isto e mais aquilo… é tudo importantíssimo para eles, mas é tudo normalíssimo para a maioria dos aficionados, não acontece nada que mereça um destaque especial…
A temporada soma e segue, com as praças cheias e uma adesão espectacular de público, mesmo nestes dias em que todas as atenções estão viradas para o Papa e para a espectacular e extraordinária Jornada Mundial da Juventude, em que não faz muito sentido pensar em touradas ou estar nelas, mas a realidade é que todo este entusiasmo taurino se resume quase em nada. Ou, pelo menos, em nada de muito especial.
Ontem houve corrida em Paio Pires e a praça estava cheia. Era um Concurso de Ganadarias e a de Fernandes de Castro reafirmou o grande momento que está a viver, vencendo o prémio de bravura (toiro lidado superiormente por João Moura Jr., que já no mês passado indultou um toiro de Castro em Tomar). Prémio de apresentação para a ganadaria Passanha.
Eu, se mandasse nisto, acabava com os prémios de bravura e de apresentação (este, então, é ridículo… todos os ganadeiros, num concurso, têm obrigação de exibir toiros bem apresentados!) e resumia estes concursos ao prémio único de Melhor Toiro, como muito bem fez este ano a comissão de jovens dinâmicos que gerem a Monumental de Santarém. Gente diferente. Com uma visão superior do futuro.
Moura Júnior esteve muito bem em Paio Pires, com este e com o toiro (mais complicado, contam-me) de Grave. Joaquim Brito Paes teve um lote menos bom e fez tudo o que podia, porque é um bom cavaleiro e não gosta de perder nem a feijões. E António Telles Filho esteve encastado com um lote que em nada ajudou, mas que ele superou – porque é também um belíssimo toureiro. Boas pegas dos forcados de Lisboa e das Caldas, é o que me contam. Corrida de praça cheia, isso foi o mais importante. Belíssimo trabalho da comissão que deitou mãos à gestão desta recuperada praça de toiros.
Contam-me mais coisas. No Redondo, Francisco Palha e Miguel Moura conquistaram ex-aequo o prémio que estava em disputa para a melhor lide a cavalo. Dois cavaleiros em grande destaque nesta temporada, a criar grande ambiente para as suas próximas corridas. Palha a confirmar o que sempre disse dele: é um toureiro dos de cima e marca a diferença. Miguel Moura a reafirmar o salto importantíssimo que está a dar nesta temporada de 2023, colocando-se na fila da frente.
Hoje e amanhã há touradas em Abiul. Pede-me o meu muito antigo amigo Hugo Silva que «dê uma forcinha» na presença de seu filho, o matador «Juanito», na corrida de amanhã – em que se homenageiam os Rouxinóis. Acontece que Abiul e as suas Juntas de Freguesia gestoras da praça ignoraram sempre o «Farpas». E eu ralado… Nunca nos deram publicidade – e nós, como os outros, vivemos da publicidade -, nunca nos mandaram um mail com os seus cartazes, nada. Porquê, não sei, ainda hoje estou para saber. Nem no tempo em que o meu cunhado Diogo foi, em dois mandatos, presidente da Câmara de Pombal, o «Farpas» foi alguma vez reconhecido pelos gestores d praça de toiros de Abiul. Amor com amor se paga… e por isso, Abiul, aqui, é para esquecer. Vão a outros sites. Sorte para o «Juanito»!
Tenho pena, isso tenho, de não estar esta noite na Terrugem nem na Nazaré. Nunca poderia estar nas duas praças ao mesmo tempo, mas teria atirado moeda ao ar e a alguma das corridas iria concerteza. Porque valem a pena. E eu sou do tempo em que ia aos toiros com o meu Pai e a tourada, como espectáculo, valia a pena. Não tinha a falta de interesse – e de importância – que tem hoje. Não havia jogadas sujas de bastidores, havia empresários que eram Senhores e se davam ao respeito, não havia a bandalheira que se vive hoje e que cada dia mais nos faz perder a vontade de andar e acompanhar este meio…
Neste exílio forçado (amanhã, se Deus quiser, regressarei à capital, depois de o Santo Padre regressar a Roma e a calma voltar à cidade grande), tenho-me deliciado com a leitura deste magnífico livro de que vos deixo a capa aqui em baixo – e que a todos aconselho.
José Jorge Letria não é propriamente um homem da minha cor política. Nem de perto, nem de longe. Ficcionista, jornalista (e dos bons!), poeta (fantástico!) e dramaturgo, ocupou vários cargos de destaque, foi vereador da Cultura na Câmara de Cascais, presidente da Sociedade Portuguesa de Autores, mas é sobretudo como cantor «da revolução» que a maioria o reconhece.
Neste livro, «O que faltava contar», José Jorge Letria conta-nos muitos episódios que viveu por dentro antes e depois do 25 de Abril, recorda figuras tão importantes como José Carlos Ary dos Santos, Zeca Afonso, David Mourão Ferreira, Fernando Lopes Graça, Mário-Henrique Leiria – e os seus fantásticos «Contos do Gin Tónico» -, Mário Viegas, Luis Pacheco e tantos mais. Conta estórias que viveu com eles, lembra o dia 25 de Abril, onde estava, com quem estava, o que fez.
O livro – editado pela Guerra e Paz – é uma viagem, quase autobiográfica, da vida de jornalista, de poeta, de cantor e de lutador pela liberdade. Com estórias giríssimas e que nos avivam a memória, sobretudo a quem, como eu, viveu esses tempos de paixão que se seguiram ao 25 de Abril, eu de uma maneira, Letria de outra, mas o tempo era o mesmo e, afinal, as estórias vão dar umas às outras.
Deixo-vos com esta passagem do livro, que achei interessante e bem actual:
«O meu pai também me deixou como herança a paixão por Espanha, pela sua cultura, pela sua língua e pela garra dos seus povos que matam o touro na arena em vez de, hipocritamente, o fazerem sofrer e só o abaterem no matadouro, cheio de febre, no dia seguinte. Penso que esse facto resume exemplarmente as nossas diferenças: os espanhóis matam o touro e nós usamo-lo, atormentamo-lo, mas não temos coragem de levar o ritual até ao fim. Somos assim nas touradas, como na vida individual e colectiva: preferimos o eufemismo , a dissimulação, o veneno da inveja sussurrado entre dentes, a baixeza da calúnia e da incapacidade de admirar, e, no entanto, fizemos os Descobrimentos, chegámos à Índia, inventámos o Brasil. Fomos grandes onde não havia touros para lidar e onde havia espaço bastante para não nos pisarmos e vilipendiarmos uns aos outros. Com espaço e alguma dose de utopia, respiramos melhor e, às vezes, chegamos a ser grandes, mesmo quando não damos por isso».
Façam o favor de ler este livro. E passem um bom fim-de-semana. Cheio de touradas. Não as devia haver quando estamos a viver um momento tão importante e tão sagrado com a presença do Papa Francisco em Lisboa. O tempo é de meditação. De esperança. De futuro. E eu sei lá se no futuro cabem as touradas… Gosto de provocar. Mas isto não é provocação. É constatar a realidade.
Até segunda-feira. Amanhã quero ver o último dia do Papa aqui. Sem preocupação de escrever sobre bois.
Foto D.R.
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