Com a devida vénia, publicamos a crónica de Miguel Ortega Cláudio da corrida de sábado passado em Beja, (dada à estampa no site «Tauronews»), uma das últimas da temporada, onde, como entretanto já aqui referimos, se destacou o cavaleiro Joaquim Brito Paes frente a um magnífico toiro, o «Alferes», de Murteira Grave. A seguir, não perca a reportagem fotográfica do nosso companheiro José Canhoto.
Brito Paes e um Grave celebram o toureio em Beja
Miguel Ortega Cláudio/Tauronews – A paisagem combina com sol, calor e um ritmo compassado. É o Alentejo, é Beja! Planura imensa, numa paisagem que se transforma numa pintura monocromática de tons castanhos dos campos queimados por um verão de canícula por estas alturas do ano, as árvores resistem estoicamente ao calor, preservando a clorofila na sua folhagem perene. As ruas estreitas e características da parte velha da cidade de Beja permitem apreciar a extensa história desta terra, que se faz descobrir por entre as casas caiadas com molduras coloridas em volta das janelas e portas ou dos seus monumentos seculares, um local onde emana o espírito de comunidade e a empatia entre habitantes e visitantes. A boa disposição e a hospitalidade, permite-nos fazer sentir ‘parte de um todo’ e nunca apenas ‘recém-chegados’. Ainda hoje, as paredes de Beja contam histórias fascinantes de outros tempos e a da sua Praça de toiros, tardes e noites de glória ou de infortúnio.
No Alentejo, a força da terra marca o tempo, talvez por isso a cultura e a espiritualidade ganhem aqui um caráter particular. Beja é terra de toureiros, ganaderos e forcados, têm um toiro como símbolo maior no brasão da sua cidade. Por ali desde tempos longínquos o Rei dos campos da Iberia sempre foi venerado e é emblema maior para as suas gentes.
Sábado, 7 de Outubro a Velha Pax vestiu de gala para receber uma corrida que despedia a temporada 2023 no Baixo Alentejo, a sua Varela Crujo registou nas bancadas dois terço de um público que tinha expectativas grandes num cartel de “relumbrón”. João Moura Jr., Francisco Palha e Joaquim Brito Paes. Forcados Amadores de Montemor e Beja, toiros de Murteira Grave. É atribuída a Guerra uma frase que se repete como lugar-comum na linguagem dos aficionados “toiros, com sol e moscas”. Mas o sol quente que se fazia sentir afugentou certamente alguns de se sentarem nas quentes bancadas da velha praça.
Eram mais ou menos cinco da tarde quando tudo começou na quietude das planícies alentejanas. A tauromáquica, tal como é entendida nesta altura do nosso século, poderia ser considerada filha legítima de dois elementos de definição complexa, mas de critério indispensável: o “temple” e a emoção! A emoção vem por impulso. O “temple”, às vezes. Nas corridas a emoção é proporcionada pelo toiro e o temple pelo toureiro. Nesta tarde de Beja, houve emoção e não foi pouca, temple a espaços… Para uma tarde ser redonda estes dois elementos têm que andar de braço dado e sábado isto aconteceu a espaços.
Dos campos de Galena foram até Beja, vinte anos deopis, seis toiros de Murteira Grave, bem apresentados, bonitos de caras, variados de capa (negros, listões, girões, baragados meanos e corridos e um burraco). De comportamento variado, houve para todos os gostos… Manso o primeiro; Nobre com recorrido e bom tranco o segundo, para mim faltou-llhe um bocadinho de entrega mas também não lhe foi procurada pelo cavaleiro. Bravo o terceiro, um burraco precioso, dava pelo nome de Alferes, estava marcado com o 49. O ganadero deu volta à arena com cavaleiro e forcado; Reservado e complicado o quarto; Encastado e a vir a mais o quinto; Teve mobilidade, arrancou de todo o lado, pedia mando, para a entrega surgir o que fechou a tarde.
O Alentejo molda o carácter de um homem e João Moura Jr. é um alentejano dos cinco costados… a tranquilidade, a paciência de um monge e temperamento do guerreiro. foi o que o cavaleiro de Monforte mostrou toda a tarde para dar a volta a um lote que não lhe pôs as coisas nada fáceis.
O primeiro da tarde desde que saiu mostrou a sua condição de manso… Moura cravou-lhe dois compridos a abrir, tentando interessar o oponente numa boa brega. Nos curtos houve bons momentos de toureio, possivelmente chegaram pouco as bancadas, no primeiro da tarde isso por vezes acontece o público ainda está pouco metido no espectáculo ou por a lide não poder ser muito apelativa… Mesmo assim cravou os ferros de forma correcta, fechando a sua actuação com uma ferro excelente em sorte de sesgo, aguentado a acometida violenta do toiro.
No quarto da tarde gostei francamente do que vi… Novamente a lide não teve a expulsão de triunfo mas sim inteligência, o querer fazer bem, do limar os defeitos do Murteira. Houve ali a facilidade na dificuldade imposta pelo oponente! Correcto nos compridos, brega adequada e de mando a um toiro que pedia um toureiro por diante e teve… Este Grave que dava pelo nome de “Tramontano” era um “rapaz de ventos que podia gelar a mente a qualquer um” mas Moura Jr. com a sua lide conseguiu templar os ares, fazendo os mesmos mais temperados… Houve ladeios templados e recortes ajustados passando por dentro em terrenos de compromisso, cravou bons ferros e rematou a sortes com sapiência. Boa lide de João!
Francisco Palha quis começar a sua lide em grande, com uma porta gaiola mas ficou algo descaída e parece que esse início condicionou a sua tarde em Beja… Ou não! As coisas não lhe correram de feição. Palha é um toureiro que vive as suas emoções de forma intensa, vive uma espécie de “turbilhão” emocional nas suas lides e quando as coisas lhe correm de feição consegue transmitir às bancadas a emoção como poucos o fazem, quando acontece o contrário… Não foi a tarde do Francisco pela capital do Baixo Alentejo.
No seu primeiro ainda deu um ar da sua graça cravando um par de ferros curtos mostrando o seu toureio, havendo bons momentos de brega.
No quinto a coisa não resultou, andou desacertado de mão no momento de cravar, algumas passagens em falso fizeram que a lide não tomasse “voo”… Não devemos suprimir as emoções – são elas que dão o colorido à vida! Mas não devemos agir levados pela emoção ao ínfimo… E nisto de tourear uma toiro ainda mais.
Na lide do terceiro da tarde, quando o sol se despedia delicadamente no horizonte alentejano, Joaquim Brito Paes e um Alferes de Galeana conseguiram na arena o advento daquela bela arte que tantas vezes exigimos que chegue. O toureio! Foi um gozo ver este jovem cavaleiro de alternativa tourear como toureou na tarde de sábado em Beja e que a casta brava segue latente em nossos campos. Tudo foi feito com calma, o Joaquim sonhou o toureio diante dos seus, recriou-se em ajustados remates das sortes, cravou grandes ferros, lidou houve ali uma tela pintada difícil de descrever… Houve improviso, arte, raça ou seja uma grande lide. O público reconheceu o visto aplaudindo de pé o que aconteceu na arena e depois na volta acompanhado por Joaquim Grave e por José Maria Pena Monteiro o forcado encarregue de pegar este bravo.
No sexto a coisa parecia que ia pelo mesmo caminho do terceiro ou seja outro triunfo sonante. Grandes foram os compridos e o primeiro curto, soaram os acordes da banda, um burburinho de acontecimento invadiu as bancadas, o toiro era sério e mostrava boas condições de lide mas… Alguma falta de frieza necessária nestes casos fez-se presente e a lide veio a menos, algumas passagens em falso, algum toque e coisa acabou por não ser redonda. Uma pena porque tudo fazia prever uma tarde histórica de Joaquim numa praça que lhe é tão querida. Valeu a vontade e as ganas deste toureio que certamente irá dar cartas nas arenas nos próximos anos.
Tarde de toiros Grave é tarde de forcados! É longa e fertil a história destes toiros e dos moços das jaquetas das ramagens. Grandes, pegas, alguns infortúnios, muita emoção e bocas secas na arena e nas bancadas… E tudo isto voltou a ser vivido na tarde de sábado em Beja. Grupo de Montemor e Beja foram os convidados para desafiarem os toiros de Galeana e houve momentos marcantes!
Abriu a tarde Francisco Borges e como disse de João Moura anteriormente houve nesta pega a facilidade na dificuldade, o toiro não se via claro mas o Francisco vê toiro em todos os lados… Citou bonito, deu vantagens, mandou, recuando toureiramente na cara do oponente, recebeu perfeito, o grupo ajudou com convicção e a sorte foi consumada à primeira tentativa. Grande pega!
José Maria Pena Monteiro é um dos grandes forcados de cara desta temporada, esteve perfeito nesta pega. Citou com calma, mandou vir o toiro quando quis, recebeu sentando-se na perfeição, fechou-se à barbela, bem o grupo à ajudar.
Vasco Carolino esteve enorme nas suas duas tentativas, o toiro entrava por alto, dando um derrote primeiro para cima e depois para baixo de maneira bruta e brusca, imprimindo uma dificuldade acrescida à sorte. Saindo o forcado magoado e recolhendo à enfermaria. Foi dobrado por Vasco Ponce, com ajudas mais carregadas resolveu o problema com eficiência.
O cabo Miguel Sampaio abriu a tarde pelos forcados da terra à segunda tentativa. Esteve bem a citar, não recebeu da melhor forma e num derrote saiu. Na segunda tentativa, esteve novamente bem a citar, receber para se fechar com garra, havendo uma grande primeira ajuda.
Manuel Maria Vicente também à segunda tentativa, na sua primeira teve que suportar um derrote muito violento com uma corno por cima que tirou o forcado da cara, Na segunda tentativa conseguiu debelar o problema do toiro, fechou-se bem na cara à córnea, boas ajudas do grupo.
Francisco Platanita superior à primeira tentativa, bonito a citar, recuando de forma toureira na cara do Grave recebeu muito bem, novamente uma grande primeira ajuda, sendo consumada a sorte.
Dirigiu a corrida Marco Gomes, sendo a médica veterinária Ana Gomes.
Fotos José Canhoto
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